Diz-se por aí que religião e futebol não se discutem. Avalie, então, esta releitura, digamos, mais futebolística, da famosa Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Inúmeras são as versões já feitas por aí deste conhecido quadro datado do fim do século XV. Personagens de cinema, desenhos animados, heróis... Desta vez foram camisas de futebol as retratadas na releitura da pintura.
Até agora, além de uma boa nota na faculdade, a ideia tem repercutido bastante nas redes sociais. Em um trabalho acadêmico, o cearense Sidney Simplício, estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), inverteu a lógica e apostou que "futebol e religião se discutem sim!". A história foi descoberta pelo site Verminosos por Futebol.
- Meu irmão mais novo é palmeirense. Não bastasse isso, meu filho mais velho era corintiano. Daí meu irmão fez com que meu filho começasse a torcer pelo Palmeiras. Acho que isso já explica muito da escolha de Jesus, não é? - brincou o publicitário.
Foi na disciplina de Teorias Estéticas da Arte que a ideia nasceu. A professora passou um trabalho pra que os estudantes escolhessem uma obra de arte para fazer uma releitura. Já que se dizia por aí que futebol e religião não se discutiam, Sidney escolheu a obra "Última Ceia", de Leonardo da Vinci, para dar um tom mais futebolístico, por assim dizer.
- A intenção de misturar futebol com religião é porque são dois assuntos que são tabu. Futebol e religião ninguém discute? Por que não? Fiz essa releitura juntando os times.
O primeiro desafio foi reunir as camisas. Um amigo, colecionador, tinha todas aquelas necessárias. Jesus e os doze apóstolos totalizavam 13 pessoas na imagem. Sidney pensou logo no Clube dos Treze. Mas queria porque queria que Ceará e Fortaleza entrassem. Logo, apenas 11 dos times seriam utilizados. As camisas são todas da década de 90. As exceções são Ceará e Fortaleza, que datam do início dos anos 2000.
- Pensei em colocar Jesus como juiz e depois colocar os times de futebol. Mas acho que a repercussão não seria tão agradável. Por isso, corintiano que sou, escolhi Jesus como Corinthians. E Judas como Palmeiras, não é? O restante foi mesmo de acordo com o posicionamento e as cores originais da imagem. O cara com a camisa do Inter, por exemplo, na original está com uma vestimenta de tom mais avermelhado. E por aí vai - explicou.
O processo de montagem da imagem foi mais trabalhoso do que o que aparenta. Levando-se em consideração a dificuldade em reunir tantas pessoas para uma foto só, Sidney resolveu fazer as imagens separadas. Numa área da entrada do campus da Universidade Federal do Ceará, ele fotografou apóstolo por apóstolo e, somente no fim, juntou todas as imagens em uma só.
- A maioria eu não tenho sequer o contato. Tem gente ali que nem de futebol gostava. Quem vestiu a camisa do Inter, pouco sacava de futebol, por exemplo. O cara que vestiu a camisa do São Paulo usou uma camisa de futebol pela primeira vez na vida, inclusive. O filho dele olhou e disse: "Engraçado, o senhor com uma camisa de futebol". Teve gente que deixou de fotografar porque já tinham camisa do time dele. Mas assim. O Jesus, por exemplo, é mineiro. Mas ele vestiu a camisa do Corinthians - contou.
Da esquerda para a direita, a escalação da Última Ceia foi remontada da seguinte maneira: Bartolomeu (São Paulo), Tiago Menor (Flamengo), André (Vasco), Judas Iscariotes (Palmeiras), Pedro (Atlético-MG), João (Fluminense), Jesus (Corinthians), Tomé (Botafogo), Tiago Maior (Santos), Filipe (Internacional), Mateus (Grêmio), Judas Tadeu (Ceará) e Simão Cananeu (Fortaleza).
A repercussão está grande. No entanto, Sidney explica que mais pessoas têm elogiado a obra pelo tom artístico e não pelo caráter futebolístico.
- Os parabéns são mais de artistas do que de corintianos. Teve muito corintiano, inclusive, que achou ruim misturar futebol e religião. Mas teve releituras da Última Ceia bem diferentes. Teve uma LGBT, teve outra com mulheres de biquini. Teve gente mandando mensagens nas redes sociais. Falaram que eu estudava artes satânicas. Desconheço essa cadeira optativa, inclusive. Teve quem dissesse: "Ah, os pais se matando para pagar faculdade particular e o menino faz isso". Bem, a Universidade Federal é pública, não é? O pessoal nem sabe. Mas eu, de fato, não esperava uma repercussão desse porte - finalizou.
Sidney está certo. Há inúmeras releituras da Última Ceia. Desde personagens de desenhos animados, blockbusters, personagens de novela, cenas de filme. Ele se refere a dois específicos. O primeiro, o Translendário, calendário feito por um grupo de travestis, lançado em 2012. O segundo foi um convite para o Miss Bumbum 2016.
Quem é Jesus?
Na imagem, Jesus aparece como corintiano. Na vida real, Jesus é atleticano. Calma, leitor. Fabiano Nardy é estudante de Cinema e Audiovisual, tem 25 anos e é mineiro. O clube do coração é o Atlético-MG. Quando foi convidado por Sidney para "compor a mesa", de cara aceitou o convite. Também pouco se importou com a camisa que usaria na foto.
- Acho interessante a proposta que une em uma só imagem a religião e o entretenimento. Dois aspectos do nosso cotidiano que muitas vezes são colocados em oposição. Acho que a principal proposição da foto é o convívio e respeito entre as diferenças. Todos se perguntam: Quem é esse Jesus? Na foto, Jesus é um cara gay, estudante de cinema e atleticano (mas com a camisa do Corinthians). Mas poderia ser qualquer outro. A ideia é celebrar as nossas individualidades e o valor que elas têm - pontuou Fabiano.
E ah! O trabalho, além da repercussão, rendeu uma nota 10 para o estudante. E acredite, a professora foi extremamente imparcial.
- Acho que ela não gosta de futebol, não. Por isso, a gente sabe que o dez foi mesmo pela qualidade do trabalho - concluiu Sidney.
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